6/08/2020

A Judía

 

 

Dormes? eu velo, sedutora imagem,

Grata miragem que no ermo vi:

Dorme – impossível – que encontrei na vida!

Dorme, querida, que eu descanto aqui!

 

Dorme! eu descanto a acalentar-te os sonhos,

Virgens, risonhos, que te vem dos céus!

Dorme! e não vejas o martírio, as magoas,

Que eu digo às águas e não conto a Deus!

 

Anjo sem pátria, branca fada errante,

Perto ou distante que de mim tu vás,

Há de seguir-te uma saudade infinda,

Hebrea linda, que dormindo estás!

 

Onde nasceste? Onde brincaste, oh bela?

Rosa singela que não tens jardim?

Em Jafa? em Malta? em Nazareth? no Egipto?

Mundo infinito, e tu sem berço?! oh! Sim.

 

Dorme, que eu velo, sedutora imagem,

Grata miragem que no ermo vi;

Dorme – impossível – que encontrei na vida!

Dorme querida que eu não volto aqui!

 

 

 

 

Folha que o vento da fortuna impele!

Vítima imbele que o tufão roubou!

Flor que n’um vaso se alimenta, cresce,

Ri, desaparece, e nunca mais voltou!

 

Filha dum povo perseguido e nobre,

Que o mundo encobre o seu martírio, e crê!

Sempre Ashevero a percorrer a esfera!

Desgraça austera! Inabalável fé!

 

Porque há de o lume de teus olhos belos,

Mostrar-me anelos d’infinito ardor?

Porque esta chama a consumir-me o seio?…

Deus de permeio maldiz o amor!…

 

Peito! meu peito, porque anseias tanto?

Pranto! Meu pranto, basta já, não mais!

É sina, é sina; remador, voltemos;

Não n’a acordemos… para quê, meus ais?…

 

Dorme, que eu velo, sedutora imagem,

Grata miragem que no ermo vi;

Dorme – impossível – que encontrei na vida!

Dorme querida que eu não volto aqui!

 

Tomás Ribeiro (1831- 1901), poeta português.