11/08/2003

O estudante alsaciano

Antigamente, a escola era risonha e franca,
Do velho Professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo

De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,

E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atentos, gravemente, uns pequeninos sábios.
E o velho professor, tendo sempre nos lábios
Uma frase a animar aquele bando imbele,

Ia ensinando a este, ia emendando áquele,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,

Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra de um sorriso.
E aos pequenos mudou em calabouço a escola!
Pobres aves, sem dó, metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é lí­ngua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão,
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Ferquentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
Mas de í­ntima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
-Pela Pátria, talvez! - Doze anos só teria.
O mestre, de uma vez, chamou-o a geografia:


-"Diz-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
-"Meu pai, no último reduto,

Em defesa da Pátria!"

-"Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante,
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"

-"As principais nações são... a França..."
-"Hein? que é lá?...

Com que então, a primeira a França!Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,

Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,

De onde irradia a ciencia a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"

Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
E a cabeça agitou num gesto negativo.
E tornou com voz firme:


-"A França é a primeira!"
O mestre furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé e uma praga enérgica se lhe escapa.


-"Sabes onde está a França? Aponta-ma no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tí­mido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança


Exclama:
-"É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Acácio Antunes

Notas sobre o Autor: Acácio Graciano Antunes Brás, nasceu na Figueira da Foz em 26 de Agosto de 1853 e faleceu em Lisboa em 2 de Abril de 1927, Jornalista, teatrólogo, escritor e poeta de grande mérito, tendo escrito cerca de 60 obras sobre teatro, nomeadamente comédias, revistas, cançonetas, operas cómicas e operetas, sendo autor deste conhecido monólogo. (in Figueira.net, a Figueira da Foz na Internet )